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Apresentação

abr 3, 2024

Estímulo acadêmico

Duas teses de doutorado, sobrepostas à necessidade imperiosa de marcar com objetos simbólicos a triste efeméride dos 50 anos de um assassinato político até hoje impune, foram o incentivo final à minha decisão de publicar uma segunda edição de A Revolta das vísceras, um projeto constantemente adiado ao longo das últimas quatro décadas. Refiro-me a “Mulheres guerrilheiras: a representação de personagens femininas em narrativas brasileiras e argentinas relacionadas às ditaduras ocorridas entre 1964 e 1985”, defendida por Cristiane Barbosa de Lira na Universidade da Georgia, Estados Unidos, em 2016, e a “Gênero, memória, literatura: a resistência à ditadura civil-militar brasileira na escrita de três militantes – Mariluce Moura (APML), Derlei Catarina de Luca (AP) e Sylvia de Montarroyos (POR-T)”, defendida por Maria Cláudia Moraes Leite na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), neste ano de 2023.

Ambos são trabalhos de grande fôlego investigativo e refinada elaboração teórica, o primeiro orientado pelas professoras Susan C. Quinlan e Betina Kaplan, e o segundo, pela professora Natalia Pietra Méndez, com coorientação da professora Mariluci Cardoso de Vargas. Eu sabia do estudo de Cristiane, a quem concedi uma longa entrevista em 2015, publicada como anexo da tese, e que reproduzo neste livro — aliás, para minha alegria, é dela também o prefácio desta edição de A revolta das vísceras e outros textos. Mas só neste ano li o texto inteiro. Quanto à tese de Maria Cláudia, soube dela por Cristiane, e logo entrei em contato com a jovem pesquisadora gaúcha. Os dois estudos se constituíram em leitura de grande impacto para mim, por variadas razões. E do ponto de vista da minha escrita, propriamente, creio que cheguei a comentar com as autoras que estava, efetivamente, diante das primeiras críticas consistentes à ficção despretensiosa — embora vital, em meu percurso — publicada em 1982, ou seja, 41 anos atrás.

Quando digo que as teses foram o incentivo final a esta segunda edição é porque elas me fizeram imaginar que outras leitoras e outros leitores das novas gerações, dentro e fora da academia, podem se interessar por essas narrativas memorialísticas-ficcionais intimistas ligadas a um doloroso período da história do Brasil que segue envolto em obscuridade por puros determinantes políticos. Sim, falta em nosso país o desvelamento dos crimes hediondos da ditadura de 1964-1985 e punição para seus autores intelectuais e executores – faltou, e falta ainda, justiça de transição!

Decidida a republicação, resolvi juntar ao romance alguns textos curtos meus relacionados à prisão e ao assassinato de Gildo Macedo Lacerda, meu marido, em dependências do quartel-general do IV Exército, em Recife, em 28 de outubro de 1973. Eles refletem a já longuíssima batalha que nós, familiares de mortos e desaparecidos, vimos travando para que o Estado Brasileiro nos dê conta dos entes queridos, cujos corpos a ditadura de 1964-1985 sequestrou, depois de assassiná-los.

São Paulo, outubro de 2023
Mariluce Moura