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Pela Memória de um paí[s]: Gildo Macedo Lacerda, Presente!

Tessa Moura Lacerda

Pela Memória de um paí[s]: Gildo Macedo Lacerda, Presente! traz o terceiro elemento da história de amor de Mariluce e Gildo. A professora de filosofia da USP e pesquisadora Tessa Moura Lacerda era ainda um feto enquanto seus pais viviam o terror nas mãos da ditadura. Seu livro, prefaciado por Marilena Chauí, traz quatro ensaios que, escritos de forma fluida e pungente e escorados em obras de Bertolt Brecht, Sófocles e Jeanne Marie Gagnebin, entre outros, abordam temas como a necessidade da edificação de uma memória sobre alguém que não se conheceu, a subjetividade de uma criança marcada por uma trágica ausência e a monstruosidade da negação dos rituais fúnebres pela ditadura.

120 páginas
Categoria:

R$ 40,00

Sobre A autora

Tessa Moura Lacerda
Tessa Moura Lacerda é professora de Filosofia na Universidade de São Paulo- USP, especialista em Filosofia Moderna, mas estudiosa também de outros temas, como a relação entre história, memória e testemunho (relacionada particularmente com a ditadura civil-militar brasileira de 1964-85); e as questões de gênero pensadas de um ponto de vista filosófico (feminismos, Transfeminismo, teoria queer). É autora de A política da metafísica. Teoria e prática em Leibniz (Humanitas, 2004), As paixões (Martins Fontes, 2013), além de inúmeros artigos principalmente sobre Filosofia Moderna. Editora da revista Cadernos espinosanos. Estudos sobre o Pensamento do Século XVII, da USP. Coordenadora do grupo NÓS - Grupo de estudos sobre feminismos da USP.

Críticas & comentários

PREFÁCIO

Marilena Chauí

…para impedir que os vestígios das ações humanas se apagassem com o tempo e por todos fossem ignoradas.
Heródoto

Pode a palavra vencer a morte?
Tessa de Moura Lacerda

Este livro se desdobra em inúmeras perguntas em busca de resposta.
Indaga Tessa: “como dizer o indizível?”, “o que significa lembrar um passado não vivido (…) um passado que para muitos não foi experimentado?”,”como escutar o não dito?”, “por que a necessidade de narrar o inenarrável?”, “como falar de uma ausência presente?” (ou de uma presença ausente?), como dar sepultura na ausência do corpo morto?

Na companhia de tantos outros e tantas outras que, em diferentes cirscunstâncias, souberam e sabem que é preciso narrar um passado que nada e ninguém poderá mudar, mas que é preciso narrá-lo para que não se apague como palavras levadas ao vento ou escritas na areia de uma praia que o mar apagará. Qual Antígona renascida, Tessa encontra resposta a essas indagões: é preciso desfazer a história oficial do vencedor e narrar uma história outra, a do cortejo dos vencidos, para que possamos realmente conhecer o passado e construir a esperança de um futuro por meio de nossa ação. Ao lamento da perda do nunca tido, Tessa contrapõe uma palavra de combate, a palavra eficaz, que nos permita agir sobre nosso presente graças ao nosso conhecimento de um passado que parece nunca findar e que só findará graças à nossa ação. Falar é o início da ação.

Enlaçando a história política e a história pessoal, este livro narra o desdobramento de uma tragédia que nos atinge sem misericórdia: aquela em que a crueldade e a injustiça se reúnem sob a forma do cinismo, da mentira como discurso do poder para sequestrar nossos mortos sem sepultura, “impondo uma morte na morte”. Um grito ecoa pelo ar: “Recusar os ritos fúnebres a uma pessoa não é apenas uma injustiça, é uma monstruosidade, é nos retirar nossa humanidade, aquilo que nos distingue enquanto seres humanos, é desumano, é inumano”. Por isso o clamor que se ergue nas páginas trágicas deste livro: “Deixem-nos enterrar nossos mortos e realizar o luto necessário – e digo “nossos” porque essa luta não deve ficar restrita às famílias diretamente atingidas, mas a todos os brasileiros. Deixem-nos enterrar nossos mortos para dar significado a sua vida…”.

Mas esse passado, por que não escoa, ressoa como forma de nosso presente, podendo ser resumido na pegunta: por que, até hoje, diferentemente do que se passou em todo o Cone Sul, no Brasil os militares não reconheceram nem reconhecem que foram além da injustiça e atingiram a monstruosidade? E ainda: por que até hoje os governos civis se submetem às Forças Armadas?
O enlace de duas histórias simultâneas e entrecruzadas tem como mote “é preciso lembrar para não esquecer” e determina a construção do livro com uma pluralidade de entradas e vários planos narrativos: a atenção dada aos jovens de hoje, que não fazem a menor ideia do que foram as duas etapas ditatoriais (antes e após e Ato Institucional n.5); a narrativa do percurso do líder estudantil Gildo Lacerda até sua atividade revolucionária, sua prisão, tortura e a morte sem sepultura; a reflexão filosófica sobre a ideia de justiça em sua longa elaboração dos gregos aos nossos dias, passando pela divisão maquiaveliana entre os grandes e os pequenos, sobre as idéias modernas da democracia, assim como em torno da ideia de injustiça em suas variadas expressões ou o solo dos preconceitos e violências que percorrem a sociedade brasileira de cima a baixo; a narrativa pessoal da relação da filha que nasceu na ausência do pai, mas sob o cuidado da mãe para que nunca se perdesse a referência à figura paterna, amorosa e apaixonadamente revolucionária permitindo que Tessa pudesse saber quem foi e é Gildo e possa, finalmente, dizer ao pai: “ninguém pode tirar você de mim”.

Ao término da Segunda Guerra Mundial, quando vieram à tona os relatos sobre atrocidades até então jamais vistas, completando os campos de extermínio europeus com a destruição de Nagazaki e Hiroshima, Merleau-Ponty indagou: onde se encontra o Mal? Ele não está dentro nem fora de nós, mas no tecido que fiamos entre nós e que nos sufoca. O filósofo indaga: que gente nova e corajosa será capaz de desmanchar essa tecelagem e abrir a história? E responde: isso só será possível com a virtù sem qualquer resignação. O livro de Tessa Moura Lacerda é obra da virtù.

"Este livro é a prova de que o esquecimento e o silenciamento não triunfaram. Apesar dos recentes ataques à democracia por uma extrema-direita que cultiva o negacionismo, a memória de Gildo e de tantas/os outras/os companheiros segue viva. É para fazer justiça a essa memória que seguimos falando o que não foi dito, escrevendo o que se pretendeu apagar, escancarando o que se buscou esconder na busca por justiça."
Renan Quinalha